Opinião

“O choro de África é um sintoma”

António Quino

África é um continente localizado no hemisfério sul do planeta, tendo a sul a Europa e a Ásia, e a oeste o Oceano Índico e o Oceano Atlântico. É o segundo maior continente do mundo em área e população.

05/05/2024  Última atualização 09H54

Também a conhecemos como o Berço da Humanidade devido à evidência científica de que os primeiros hominídeos, ancestrais dos seres humanos modernos, surgiram no nosso continente há milhões de anos. Além disso, as mais antigas evidências arqueológicas de comportamento humano moderno, como o uso de ferramentas e arte, foram encontradas em sítios arqueológicos em África.

Historicamente, os povos africanos não colonizaram outros povos da mesma maneira que os europeus o fizeram em muitas regiões do mundo durante a era das "explorações”. Houve impérios e reinos africanos que expandiram o seu território e exerceram influência sobre regiões vizinhas por meio de conquistas militares, alianças e comércio. Alguns exemplos incluem o Império Songhai, o Império Axum e o Império do Mali, que exerceram poder sobre áreas além das fronteiras modernas de África.

Essas formas de expansão territorial não são equiparáveis ao tipo de colonização e dominação exercida pelos europeus durante a era colonial. O processo de colonização da Europa sobre África foi impulsionado por uma combinação de factores, incluindo a busca por recursos naturais, o desejo de expandir impérios e influência, e crenças na superioridade cultural e racial.

Os europeus partilharam o continente africano entre si durante a Conferência de Berlim, entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885, sem considerar as fronteiras étnicas, culturais ou políticas existentes. Isso levou à criação de fronteiras arbitrárias que dividiram grupos étnicos e culturais, frequentemente resultando em conflitos e instabilidade política até aos dias actuais. Ou seja, as fronteiras arbitrárias, desenhadas sem levar em conta as divisões étnicas, culturais ou políticas existentes, podem justificar a instabilidade político-militar que muitos países africanos ainda hoje enfrentam.

Durante o período de colonização, os europeus exploraram os recursos naturais de África, como ouro, diamantes, marfim e recursos agrícolas, frequentemente por meio de práticas injustas e destrutivas, deixando muitas comunidades africanas empobrecidas.

Além disso, impuseram suas línguas, religiões e sistemas políticos sobre as populações locais, frequentemente ignorando ou suprimindo as culturas e tradições locais. Portanto, o impacto da colonização em África foi muito profundo sobre a identidade cultural e no tecido social das comunidades africanas, além de um legado de desigualdade económica, instabilidade política e conflitos étnicos que ainda são sentidos em muitas partes do continente.

Essas são apenas algumas das muitas consequências ou legados da colonização, que continuam até hoje a moldar as realidades sociais, políticas e económicas do continente. Por aqui surge a metateoria do professor de estudos afro-americanos na Universidade da Califórnia, Frank B. Wilderson III, sobre o afro-pessimismo.

Um pensador africano contemporâneo que discute o conceito de afro-pessimismo é Achille Mbembe. Intelectual camaronês conhecido por suas contribuições  para os estudos pós-coloniais e políticos em África, Mbembe aborda questões como colonialismo, racismo e desigualdades globais, e discute como o afropessimismo pode impactar a forma como os africanos vêem o seu próprio continente e suas perspectivas para o futuro.

Esse sentimento chamado afro-pessimismo explora uma série de factores que continuam a afectar muitos países africanos e suas populações, nomeadamente a fuga massiva  de quadros para outros continentes, a persistência da pobreza, corrupção e má governança, conflitos e instabilidade, dependência externa e desafios ambientais.

Dito de outro modo, o afro pessimismo assume um sentimento de desânimo ou falta de esperança em relação ao futuro do continente africano.

No poema "Choro de Africa”, de Agostinho Neto, ha um verso que muito me atrai: "Sempre o choro, mesmo na vossa alegria imortal”.

Nesse mesmo poema, Agostinho Neto lembra-nos que "O choro de África é um sintoma”. Por isso, o tratamento adequado pode ajudar a melhorar esse sintoma. O afro-pessimismo é, também, um sintoma. Culpar sempre as então chamadas potências colonizadoras por todas as desgraças é simplificar demais uma situação complexa, pois muitos dos problemas actuais não são apenas resultado de séculos de exploração e interferência externa.

É importante que os países africanos assumam a responsabilidade por suas próprias questões e trabalhem para encontrar soluções internas para os desafios que enfrentam. O tempo passado, desde as independências africanas,oferece uma oportunidade para olharmos o futuro e buscarmos maneiras de avançar sem nos prendermos ao passado colonial. Superar esses desafios exige um equilíbrio delicado entre confrontar o legado colonial e buscar soluções progressistas para o desenvolvimento e o avanço socioeconómico.

 
Um sorriso para o berço da humanidade

Uma outra página precisa de surgir para África. Para prosperar e alcançar um desenvolvimento sustentável, são necessárias abordagens multifacetadas. Por exemplo, deve haver um comprometimento maior com o fortalecimento da governança (combate à corrupção, promoção da transparência e fortalecimento das instituições democráticas), sério investimento na educação (deve-se priorizar a educação de qualidade e o desenvolvimento de habilidades que impulsionem o crescimento económico sustentável), diversificar a economia, reduzindo a dependência de commodities e promovendo sectores como manufactura, tecnologia e agricultura de valor agregado.

Num olhar mais sobre si, África deve privilegiar o comércio intra-africano, facilitando o comércio e a integração regional para abrir oportunidades para empresas africanas e estimular o crescimento económico inclusivo em todo o continente. Lógico, a valorização do capital humano permitiria a retenção de mão de obra qualificada. Isso exigiria um verdadeiro investimento em saúde, educação e bem-estar.Uma revolucionária valorização do homem africano pelo homem africano.

São apenas algumas das muitas medidas que podem contribuir para um futuro mais brilhante para África. Mas é importante que essas iniciativas sejam lideradas pelos próprios países africanos.

Os africanos necessitam de se alimentar  de afro-optimismo, sustentando-se por uma variedade de factores, incluindo o bom emprego, o crescimento económico, o avanço da tecnologia e da inovação, o aumento do empreendedorismo e o fortalecimento das instituições democráticas, sem esquecer a valorização do capital humano.

O pensamento filosófico africano pode contribuir para a construção de uma nova África.  É a filosofia africana um potenciador da diversidade cultural e étnica do continente, promovendo o respeito mútuo e a compreensão entre diferentes grupos. De igual modo, a sabedoria africana diz-nos que as sociedades do continente podem reconectar-se com as suas raízes culturais e históricas, fortalecendo a auto-estima e a coesão social.

Não que a promoção da paz e da justiça não sejam importantes nas correntes filosóficas africanas que enfatizam valores como a solidariedade e a justiça social, mas é urgente que a filosofia africana desafie as narrativas coloniais e eurocéntricas, oferecendo perspectivas alternativas sobre questões filosóficas, éticas e políticas. Ou seja, África deve descolonizar o seu pensamento para a promoção da sua autodeterminação.

Ao incorporar princípios filosóficos africanos na formulação de políticas e estratégias de desenvolvimento, os governos e as organizações podem criar soluções mais adequadas e contextualizadas para os desafios enfrentados pelo continente. Isso inclui o repensar modelos políticos à dimensão da idiossincrasia africana.

O pensamento filosófico africano sobre o desenvolvimento é diverso e abrange uma ampla gama de perspectivas, muitas vezes influenciadas por tradições culturais e filosóficas locais. Um desses princípios é o da importância da comunidade sobre o indivíduo. O desenvolvimento é visto como um esforço colectivo, onde o bem-estar da comunidade é priorizado sobre o sucesso individual.

Os saberes de Africa também ensinam que muitas tradições africanas valorizam a harmonia entre os seres humanos e a natureza. O desenvolvimento sustentável é visto como aquele que respeita e protege o meio ambiente, reconhecendo a interdependência entre todos os elementos da vida.

Quando se concebe um projecto de Estado ou público, não se deve ignorar o que muitos pensadores africanos argumentam: o desenvolvimento deve ser sensível às especificidades culturais e contextos locais. Isso implica valorizar e incorporar práticas e conhecimentos tradicionais (não contrapondo ao moderno) nas estratégias de desenvolvimento.

Finalmente, e talvez o mais importante de tudo, os africanos precisam de incorporar em si o conceito de Ubuntu. Viver Ubuntu significa humanizar-se, compartilhar e realizar-se na interconexão. O africano deve compreender que o desenvolvimento só é alcançado quando o bem-estar for um fim para a colectividade; apoiando-se mutuamente.

Portanto, UBUNTU!

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